02 julho 2017

O injusto amor dos filhos

Deixá-los voar? Nenhum pai quer que o filho voe

Imagem ilustrativa

Desde que eles nascem até ao dia em que deixam de responder às mensagens que vivemos a conquistá--los. Não assumimos, mas passamos as nossas vidas atrás deles, tipo namorados controladores, ciumentos e inseguros. Dizemos que é racional, que é porque nos preocupamos, mas não é.

É só porque quem ama não larga e nós não conseguimos largar. Nós queremos um amor correspondido, pago na mesma moeda e com o mesmo valor do nosso, incomensurável, mas duvidamos que assim seja.

Duvidamos que eles nos amem da mesma maneira porque sabemos que é impossível amar tanto. Por isso flirtamos, mimamos, zangamo-nos quando não nos ligam, controlamos quando os sentimos distantes, desconfiamos quando nos ignoram. Ficamos, numa palavra, lixados.

Nós pais vivemos assim: na ansia de que a traição se concretize, com medo de deixarmos de ser indispensáveis. E o pior, o que nos deixa mesmo malucos, é que temos a certeza de que ela chegará, que mais tarde ou mais cedo seremos trocados.

Amar alguém que nos vai trair é fado, é triste. Fados, poemas, livros foram escritos sobre o amor não correspondido, mas ninguém dedicou a devida atenção quando esse amor não correspondido é o dos filhos.

Ninguém ainda cantou a triste história de o nosso amor crescer e o deles não; de o nosso amor subir a pique desde a maternidade até ao dia em que fechamos os olhos e o deles, bom, ter dias.

O deles confunde-se com dependência, segurança, sobrevivência e depois com carinho, ternura, amizade, admiração. Já o nosso, é sempre paixão, é sempre o primeiro.
O nosso não é livre, é tão arrebatador que não damos espaço à liberdade - a liberdade põe à prova a nossa insegurança, provoca-a. As galinhas são assim, e nós pais estamos iguais às galinhas.

Deixá-los voar? Nenhum pai quer que o filho voe. Voar para onde, com quem, até que horas? Não é natural. Os filhos são como os pintos: ninguém voa na família apesar das asas. As asas são uma partidinha da natureza. Nós temos saudades, sentimos falta, sofremos.
E para nos consolar damos, só porque sim agarramos, abraçamos, enchemos as caras de beijos, ficamos horas a olhar para eles como se estivéssemos perante um pôr do Sol no Everest.

Também pedimos, pedimos beijos, abraços, declarações de amor e até saudades - aconchega-nos que eles tenham saudades nossas. Já a filharada faz-se de difícil, é snob. Faz-nos sofrer com birras, lágrimas gordas, beicinhos cruelmente encantadores, silêncios enigmáticos ou sorrisos manipuladores. Tudo coisas que nós gostamos. O ridículo é mesmo isso: gostamos da injustiça deste amor.


Postado por Inês Teotónio Pereira no DN/Potugal – Foto: Google

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